Jovens e opinião sobre política:
Semelhanças e diferenças entre as
juventudes de direita e de esquerda
no Brasil
Rogério de Oliveira Araújo
*
Renata Furtado Barros
**
Olivia Cristina Perez
***
Resumo
Diante da constatação do crescimento de viés conservadores entre as ju-
ventudes, a pesquisa parte da seguinte pergunta: existem diferenças na va-
loração das instituições entre jovens considerados à esquerda e à direita
no espectro político e ideológico? Para tanto apresentamos opiniões sobre
*
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí/Brasil. Licenciado em Ci-
ências Sociais pela Universidade Estadual do Piauí. Professor celetista do Estado. E-mail:
rogeroliveira373@outlook.com
**
Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí/Brasil. Graduada em
Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí e em Direito pela Faculdade Estácio
CEUT. E-mail: renatafurtadobarros_@hotmail.com
***
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo/Brasil. Tem estágio pós-
-doutoral no Programa de Investigación en Ciencias Sociales, Niñez y Juventud (Cinde/Cla-
cso). Professora Adjunta de Ciência Política na Universidade Federal do Piauí. E-mail: oli-
viaperez@ufpi.edu.br
Código de referato: SP.304.LVII/22
http://dx.doi.org/10.22529/sp.2022.57.03
STUDIA POLITICÆ Número 57 invierno 2022 pág. 41–57
Recibido: 31/05/2022 | Aceptado: 19/10/2022
Publicada por la Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales
de la Universidad Católica de Córdoba, Córdoba, República Argentina.
42 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
política conforme 323 jovens brasileiros de 16 a 29 anos que responderam
ao questionário do Latinobarômetro em sua onda de 2020. Especicamente
descrevemos como os jovens à direita, à esquerda e ao centro avaliam o
sistema democrático; apoiam regimes ou lideranças autoritárias; conam
nas instituições e se interessam por política. Dentre os resultados destaca-
mos como a distribuição dos jovens entre direita e esquerda é aproximada,
com um alto percentual de jovens que que se posicionaram ao centro. Em
relação às percepções políticas, há semelhanças entre os jovens dos distin-
tos espectros políticos e ideológicos, o que contraria certas percepções que
associam as juventudes e política com a esquerda.
Palavras-Chave: juventudes - ideologia – direita - esquerda
Resumen
Ante el incremento de jóvenes de derecha, la investigación parte de la si-
guiente pregunta: ¿existen diferencias en la valoración de las instituciones
entre jóvenes considerados de izquierda y derecha en el espectro político e
ideológico? Para ello, presentamos respuestas sobre opiniones relacionadas
con política según 323 jóvenes brasileños de 16 a 29 años que respondieron
el cuestionario Latinobarómetro en su edición de 2020. Especícamente,
describimos cómo los jóvenes de derecha, izquierda y centro evalúan el
sistema democrático, apoyan regímenes o liderazgos autoritarios, confían
en las instituciones y se interesan por la política. Entre los resultados, des-
tacamos como la distribución de jóvenes entre derecha e izquierda es apro-
ximada, con un alto porcentaje de jóvenes que se posicionan en el centro.
En cuanto a las percepciones políticas, existen similitudes entre jóvenes de
distintos espectros políticos e ideológicos, lo que contradice ciertas percep-
ciones que asocian juventudes y política con la izquierda.
Palabras clave: juventudes - ideología - derecha – izquierda.
Abstract
In view of the growth of conservative bias among youths, the research
starts from the following question: are there differences in the valuation
of institutions between young people considered on the left and right in
the political and ideological spectrum? To this end, we present responses
regarding opinions on politics according to 323 young Brazilians aged 16 to
29 who responded to the Latinobarometro questionnaire in its 2020 wave.
Specically, we describe how young people on the right, left and center
evaluate the democratic system; support authoritarian regimes or leader-
ship; they trust institutions and are interested in politics. Among the results,
we highlight how the distribution of young people between right and left is
approximate, with a high percentage of young people who positioned them-
selves in the center; Regarding political perceptions, there are similarities
between young people from different political and ideological spectrums,
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 43
which contradicts certain perceptions that associate youths and politics with
the left.
Keywords: youths - ideology - right - left
Introdução
A
juventude é comumente compreendida como uma fase da vida em
que os indivíduos são mais “livres”, contestadores e de algum modo,
mais ativos. Essa percepção é alimentada tanto pela mídia na pro-
moção de padrões de consumo, quanto por pesquisas acadêmicas inspiradas
pelos movimentos revolucionários, em especial desde a década de 60, na
qual a juventude despontou como protagonista de diversas transformações
sociais e políticas (Sherer-Warren, 2014).
Como expoente dessas análises, Melucci (1997) interpreta a juventude como
uma camada da sociedade na qual as tendências de transformação social
costumam se manifestar mais rápido e de modo mais visível. Para Melucci,
essa capacidade “termômetro” da juventude é possível devido a sua íntima
relação com a dinâmica do tempo nas sociedades complexas. A sociedade,
enquanto complexo de interdependências e conitos, é preenchida por signi
-
cados culturais. Assim, os conitos emergem nas áreas mais expostas aos
“investimentos simbólicos” e pressões para adequação. Os sujeitos desses
conitos são também aqueles mais expostos e sua ação em relação à pressão
simbólica aponta sinais para a sociedade como um todo. Nesse sentido, a ju-
ventude, que se encontra demarcada a partir de elementos biológicos e cultu-
rais em relação ao tempo, ocuparia essa posição indicada por Melucci como
centro das pressões simbólicas da sociedade.
As conclusões de Melucci, inspiradas em parte pelos movimentos sociais
da segunda metade do século XX, acabam por gerar uma visão da juventu
-
de como essencialmente progressista e dotada de uma sensibilidade voltada
para antever processos de mudanças sociais. Entretanto, essa interpretação
deixa de lado os diversos movimentos que as diferentes juventudes têm se-
guido ao longo das últimas décadas, que nem sempre estão na direção de
pautas progressistas ou contestadoras.
A perspectiva teórica aqui adotada considera a juventude como uma noção
dinâmica pautada sob condições, sociais e culturais historicamente cons
-
truídas de modo situado e relacional (Vommaro, 2015). Além disso, a com-
44 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
preensão da juventude passa pelo reconhecimento das diversas condições
que a juventude experiencia. Vommaro (2019, 2020), por exemplo, utiliza o
conceito de desigualdades multidimensionais para se referir ao fato de que
pobreza, etnia, território, religião, gênero, geração, educação e inserção la
-
boral estão relacionadas com as desigualdades sociais. Em sentido próximo,
para Groppo (2016) é necessário interligar a juventude a outras categorias so-
ciais, como classe, nacionalidade, região, etnia, gênero, religião e até mesmo
grau de desenvolvimento econômico. Por isso optamos por nos referir sem-
pre às juventudes, cientes e demarcando as diferenças entre esse segmento
que, em última instância, trata-se de uma construção política e social.
Os estudos sobre participação política das juventudes têm mostrado um des
-
crédito em relação às instituições parlamentares, como os partidos políticos
(Castro, 2008; Mesquita et al., 2016; Araújo & Perez, 2020; Perez & Souza,
2020; Zuccolotto & Teixeira, 2020) o que tem levado os jovens a preferirem
formas diretas de participação, sem intermediações (Castro, 2008; Perez &
Souza, 2020). Conforme essa literatura o descrédito nas instituições políticas
tem relação com a insuciência da representação tradicional em acolher as
demandas das juventudes.
Zuccolotto e Teixeira (2020) evidenciam esse dilema da democracia ao de
-
monstrar como os mecanismos institucionais, a exemplo das eleições, não
dão conta de expressar a soberania popular. Essa diculdade de encontrar
um meio termo que contemple a representatividade inerente às democracias
modernas e a participação popular, tem se constituído como um dos grandes
desaos para a estabilidade da própria democracia e da inclusão da partici-
pação juvenil.
Além das limitações da democracia representativa, a onda de populismo que
perpassa a América Latina se constitui em outro fator que incide sobre as
percepções políticas dos indivíduos. Freidenberg (2011) fez um balanço dos
governos populistas de esquerda pela América Latina no início da segunda
década do século XXI e o quanto essa forma de lidar com o eleitor gera
uma tensão com as instituições democráticas. O populismo surge como uma
linguagem política que simplica a política institucional para a população,
arena que em geral se constitui como um campo complexo para a maioria do
eleitorado (Freidenberg, 2011; Iazetta, 2019).
Nesse sentido cabe retomar em linhas gerais a recente trajetória política do
Brasil. O Brasil foi comandado por presidentes liados ao Partidos dos Tra
-
balhadores (PT) por quase quatorze anos (de 2003 a 2010 com Luiz Inácio
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 45
Lula da Silva e de 2011 a meados de 2016 com Dilma Rousseff). A gestão
petista é mais próxima dos ideais de esquerda e no Brasil aproximou movi
-
mentos sociais do Estado (Santos, Perez & Szwako, 2017).
No entanto, a direção do governo se alterou substancialmente nos últimos
anos. Em 2016, antes de concluir seu segundo mandato, Dilma Rousseff foi
destituída do cargo após controverso processo de impeachment.
Em seu lugar assumiu Michel Temer (do Partido do Movimento Democrá
-
tico Brasileiro, PMDB, depois nomeado Movimento Democrático Brasilei-
ro, MDB, partido à direita no espectro político). Temer era vice de Dilma e
ocupou a presidência do Brasil de 2016 a 2018. Desde o governo de Michel
Temer tem se destacado no Brasil uma nova direita cuja gestão resulta na
prática em uma “democracia blindada”, cujas características segundo a de-
nição de Goldstein (2019) seriam:
A construção de um inimigo “esquerdista” para justicar a repressão de
ativistas e movimentos sociais, preservando uma base leal e manipulando a
raiva se nenhuma conquista econômica for feita; um papel partidário polí-
tico para os poderes judiciais com forte interferência de lobby e consultores
militares; uma democracia fraca sem participação política; o estabeleci-
mento de uma ordem favorável ao mercado contra a plataforma votada
pela maioria dos brasileiros nas eleições de 2014; os avanços de direita
no discurso público que reestruturaram a cultura e a discussão política; e a
adesão de um candidato de extrema-direita à presidência pela primeira vez
desde a redemocratização começou em 1985. (p. 245)
Antes das eleições de 2018, o candidato com maior intenção de votos, o
ex-presidente Lula, foi preso sob a acusação de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Em 2018 Jair Bolsonaro (à época liado ao Partido Social Libe-
ral, PSL) elegeu-se presidente, o que marca a ascensão de um governo à dire-
ita no Brasil. Jair Bolsonaro assumiu “as pautas dos costumes (...) agradando
às forças cristãs do Congresso Nacional” (Almeida, 2019, p. 200). Ainda
conforme Goldstein (2019), não é possível se referir a essa nova ordem de
direita como ditadura, e ainda assim não se pode caracterizá-la como total-
mente democrática, já que se trata de uma democracia cujas potencialidades
têm sido mutiladas.
O viés de direita representado pelo Bolsonaro tem se revelado de modo acen
-
tuado também entre as juventudes. Por exemplo, a pesquisa de Ribeiro e
Fuks (2019) mostra que os jovens têm apresentado uma intolerância de viés
moralmente conservador, elencando entre seus grupos de antipatia os que
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apoiam a descriminalização do aborto (pauta essencialmente progressista).
Estudos recentes procuram compreender como emergiram e o que pautam
esses movimentos juvenis alinhados à direita e ao conservadorismo (We-
ller & Bassalo, 2020; Severo & Gonçalves, 2020; Severo; Weller & Araú-
jo, 2021tendo como base a teoria das gerações de Karl Mannheim e suas
análises sobre o conservadorismo como um estilo de pensamento. Os dados
originam-se de pesquisa quantitativa realizada em escolas de ensino médio
de três municípios do Rio Grande do Sul, com 2.169 respondentes. O des-
fecho do estudo parte da resposta à autoidenticação política, na escala de 1
(extrema esquerda). Tais estudos destacam desde a rejeição da juventude aos
canais institucionais de participação, a exemplo dos partidos políticos, bem
como as dinâmicas de formação política através de movimentos e da escola.
Diante da constatação do crescimento de viés conservadores entre as juven
-
tudes, a pesquisa parte da seguinte pergunta: existem diferenças na valoração
das instituições entre jovens considerados à esquerda e à direita no espectro
político e ideológico? Trata-se de uma pesquisa descritiva que tem como
objetivo vericar as semelhanças das percepções políticas dos jovens confor-
me suas distintas liações ideológicas. Especicamente descrevemos como
os jovens à direita, à esquerda e ao centro avaliam o sistema democrático;
apoiam regimes ou lideranças autoritárias; conam nas instituições e se in-
teressam por política.
Para analisar o quanto as percepções sobre política variam entre as juven
-
tudes, discernimos neste artigo os jovens de direita e de esquerda. As de-
nições sobre direita e esquerda remontam à Revolução Francesa na qual
a direita esteve associada à manutenção das hierarquias e da tradição e a
esquerda associada aqueles que defendiam as mudanças propostas pela revo-
lução, resumidas em seu lema: liberdade, igualdade e fraternidade, no entan-
to, tais conceitos passaram por diversas transformações ao longo da história
(Cêpeda, 2021).
No sentido de tentar denir o que são as esquerdas e as direitas mais recente
-
mente, Norberto Bobbio (1994) explica que os defensores da esquerda esta-
riam mais apegados à defesa do igualitarismo, enquanto os partidários da di-
reita defenderiam a liberdade como fator primordial. Ainda sobre os aspectos
que demarcam esquerda e direita, o autoritarismo seria o ponto de intercepto
entre os considerados de extrema-esquerda e de extrema-direita (Bobbio,
1994). Tal delimitação implica nas visões que os atores têm do mundo e o
que esperam da política. Entretanto, ser de esquerda e de direita pode variar
conforme os diversos contextos, ou seja, “Não apenas o entendimento dos
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 47
signicados desses termos é diferente, mas também as políticas e conitos
que moldam essa clivagem em cada país” (Vieira & Maciel, 2009, p. 34).
Embora seja possível essa denição, a presente pesquisa apresenta dados
sobre a percepção política dos jovens conforme eles mesmo se deniram – à
esquerda, direita ou centro. Ou seja, não é nossa intenção liar os jovens à
esquerda ou à direita, mas descrever percepções sobre políticas de jovens que
se entendem como próximos dessas distintas ideologias.
A pesquisa descreve dados retirados do banco Latinobarômetro apresentados
no ano de 2020. O Latinobarômetro reúne um amplo estudo sobre opinião
pública na América Latina, aplicando periodicamente um amplo survey em
18 países. Para os ns desta pesquisa era necessário um banco de dados que
disponibilizasse variáveis que possibilitassem a identicação ideológica dos
atores - o que o Latinobarômetro faz.
O Latinobarômetro apresenta respostas de indivíduos entrevistados de todas
as idades. Para esta pesquisa analisamos apenas as respostas daqueles consi
-
derados jovens a partir do recorte etário de 16 a 29 anos de idade. Compreen-
demos que a juventude não se limita apenas a uma questão etária, no entanto,
o banco de dados não nos permite fazer uma distinção mais detalhada em vis-
ta de suas variáveis. É importante considerar ainda que normalmente toma-se
como início da juventude os 15 anos de idade, mas como o Latinobarôme-
tro aplica questionários àqueles aptos a votarem, esta faixa cou de fora
da pesquisa. Especicamente no ano de 2020 foram aplicados questionários
para 1204 brasileiros, sendo 881 adultos e 323 jovens, os sujeitos da presente
investigação.
para delimitar os jovens como de direita e de esquerda, consideramos a
variável sobre ideologia presente no Latinobarômetro que funciona em es
-
cala progressiva na qual a nota 0 corresponde totalmente à esquerda e 10 à
direita. Considerando a gama de atores que escolhem outro número entre 0
e 10 agrupamos aqueles que pontuam entre 0 e 3 no espectro da esquerda e
entre 7 e 10 no espectro da direita. Os jovens que se colocaram entre 4 e 6 na
escala ideológica foram categorizados como de centro.
Para mostrar quem são os jovens à esquerda e à direita, na primeira seção do
artigo trabalhamos com as variáveis relativas à autoidenticação ideológica
e a questões socioeconômicas. Já para avaliar o quanto os jovens de esquerda
e de direita diferem no tocante à percepção sobre política, na segunda seção
exploramos as variáveis avaliação da democracia, interesse por política e
conança nas instituições.
48 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
A pesquisa contribui com o campo de estudos sobre juventudes e política em
diversos sentidos. Primeiro, mostrando as percepções sobre política entre
as juventudes. Também agregamos uma variável para distinguir os jovens:
a sua posição política e ideológica. Por m, problematizamos as aparentes
distinções entre esses dois campos mostrando as várias semelhanças entre os
jovens que se identicam de diferentes formas no espectro político e ideo-
lógico.
Juventudes progressistas e conservadoras: análises e considerações
Considerando as 323 respostas dos jovens ao survey do Latinobarômetro,
dispomos inicialmente a distribuição ideológica dos jovens categorizados em
“espectro da esquerda, espectro da direita, centro e sem denição ideológi
-
ca”. A distribuição segue expressa no Gráco 1.
Gráco 1. Distribuição ideológica dos jovens
Fonte: Elaboração das autoras com base no Latinobarômetro 2020.
Os dados apresentados no Gráco 1 destoam da literatura sobre as juven-
tudes na medida em que apresentam um certo equilíbrio na distribuição de
jovens à esquerda e à direita (ambos em torno dos 20%). Logo, em que pese
os jovens serem considerados mais contestadores (Sherer-Warren, 2014; Me-
lucci,1997) aproximando-os da nossa denição de esquerda, os dados de-
monstram que uma parcela dos jovens se classica como de direita e essa
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 49
parcela é próxima daqueles que se consideram como de esquerda.
Os estudos sobre a organização política das juventudes (Castro, 2008; Mes
-
quita et al., 2016; Araújo & Perez, 2020; Perez & Souza, 2020; Zuccollotto
& Teixeira, 2020) têm demonstrado o seu distanciamento da política ins
-
titucional - o que poderia levar a crer que os jovens não se identicariam
nem como esquerda tampouco como direita. No entanto, conforme dados do
Gráco 1, aqueles que não se posicionaram ideologicamente somam apenas
5,5% dos jovens entrevistados. Esses resultados mostram então que há auto
liação das juventudes com categorias antigas de liação ideológica, como
ser de esquerda ou de direita. Mas é preciso destacar o expressivo percentual
de jovens que se colocam numa posição mais ao centro, chegando a quase
metade da amostra. Esse posicionamento político pode ser interpretado tanto
como uma forma dos jovens demonstrarem seu desinteresse pela política,
conrmando a literatura sobre o tema, quanto uma forma de evitar a polari-
zação que tem se desenvolvido no país.
Aprofundando os dados sobre as juventudes no Brasil conforme suas
-
liações político-partidárias (esquerda e direita), analisamos o quanto elas se
aproximam ou se distanciam no quesito perl socioeconômico.
Como primeiro resultado dessa etapa, o Gráco 2 apresenta a classe social
dos jovens. Importa considerar que esta variável foi construída a partir da
autopercepção dos entrevistados, expressando assim como estes jovens se
veem dentro das hierarquias sociais na qual estão inseridos.
Gráco 2. Classe social dos jovens
Fonte: Elaboração das autoras com base no Latinobarômetro 2020.
50 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
O Gráco 2 mostra que pouquíssimos jovens, de ambos os espectros ideo-
lógicos, se consideram parte da elite econômica do país (em média 2%).
Além disso, é perceptível também que a maioria dos jovens se percebe como
pertencente às camadas médias (por volta de 30%) e média baixa (em média
43%).
Note-se, entretanto, que, no campo ideológico da direita e do centro um
percentual maior de jovens que se percebem como classe média (34%), quan
-
do comparados aos jovens de esquerda (26%). Estes, inversamente, tendem a
se tornarem mais signicativos na medida em que se analisa camadas sociais
mais baixas (chegando a 26% dos jovens de classe baixa). Logo, a percepção
das classes sociais pelas juventudes corrobora com a concepção de que as
classes mais abastadas tendem a possuir tendências mais à direita do que à
esquerda. Isso de certa forma é esperado na medida em que os governos à es-
querda deveriam promover políticas de igualdade social, beneciando assim
as classes mais baixas (Bobbio, 1994).
Juventudes: ideologias e percepções políticas
Após a apresentação do panorama do perl das juventudes tomando como
ponto de partida a ideologia, cabe avaliar como a disposição ideológica im
-
pacta na percepção dessas juventudes sobre questões centrais para a demo-
cracia, tais como a avaliação do sistema democrático; apoio a regimes ou
lideranças autoritárias; conança nas instituições e interesse por política.
Nesses quesitos esperávamos diferenças signicativas entre as juventudes
das esquerdas e das direitas, entretanto, encontramos muitas semelhanças.
No Gráco 3 abordamos a avaliação das juventudes sobre a democracia en
-
quanto regime de governo.
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 51
Gráco 3. Concordância sobre a democracia ser a melhor forma de
governo
Fonte: Elaboração das autoras com base no Latinobarômetro 2020.
A variável que mobiliza o Gráco 3 questiona se a democracia, mesmo tendo
problemas, é o melhor tipo de governo. Agregando os percentuais “muito de
acordo” e “de acordo” os dados evidenciam que os jovens avaliam a demo-
cracia como a melhor forma de governo, sendo 60% para os jovens à esquer-
da, 73% para os de centro e 76% para os jovens à direita. Temos uma porcen-
tagem maior de discordância com a democracia entre os jovens à esquerda,
totalizando 41% ante 26% dos jovens ao centro e 24% dos jovens à direita.
Esse dado vai na contramão de uma percepção social sobre as juventudes à
esquerda, rotineiramente associadas às lutas democráticas no Brasil ao longo
da história (Scherer-Warren, 2014).
É importante considerar como o banco de dados do Latinobarômetro não nos
permite realizar uma distinção mais pormenorizada da dispersão ideológica
dos jovens (extrema-direita, extrema-esquerda, centro-esquerda e centro-di
-
reita). Assim, cabe pontuar se o jovem à esquerda é de fato antidemocrático
ou se esse dado está condicionado pela inuência de um determinado nicho
da esquerda. Como bem pontua Bobbio (1994) o autoritarismo se constitui
em uma percepção política que pode ser encontrada nos extremos dos es
-
pectros ideológicos, assim, para uma parte da esquerda a democracia não
é um valor em si mesma. Freidenberg (2011) demonstra essa tendência ao
discorrer sobre o populismo na América Latina e como ele assume um viés
autoritário.
52 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
No entanto, os estudos têm mostrado um certo rechaço às instituições polí-
ticas por jovens organizados politicamente em coletivos progressistas (Perez
& Souza, 2020). As juventudes estariam se afastando das dinâmicas insti
-
tucionais na medida em que a democracia representativa não estaria possi-
bilitando uma verdadeira participação dos jovens (Araújo & Perez, 2021;
Zuccollotto & Teixeira, 2020). Mas isso não signica apreço por um sistema
mais conservador, embora pudesse expressar o desejo por uma forma de go-
verno mais radical, capaz de garantir a inclusão de setores tradicionalmente
excluídos das decisões coletivas, como mulheres, negros e jovens.
Nesse sentido, o jovem à esquerda poderia não aprovar a democracia porque
consideraria que ela é limitada, tendência encontrada em estudos mais
amplos sobre o eleitorado. Como destaca Iazzetta (2019), a própria ideia de
um sistema representativo surge em formas de governo não democráticas e,
algumas de suas consequências se manifestam no surgimento de aristocra
-
cias eleitorais e na oligarquização dos partidos políticos, restringindo dessa
forma a participação da população para além do voto.
No Gráco 4 mostramos a conança a algumas instituições democráticas entre
os jovens, especicamente a conança no Exército, na Igreja e na Presidência.
Gráco 4. Conança nas Instituições
Fonte: Elaboração das autoras com base no Latinobarômetro 2020.
Como podemos observar no Gráco 4 os jovens à direita tendem a ter uma
conança maior nas Forças Armadas do que os jovens à esquerda, chegando
a 39% frente a 29% dos jovens de esquerda. Os jovens de direita devem
apoiar mais as forças armadas porque o presidente atual do Brasil, que re-
R. DE OLIVEIRA ARAÚJO - R. FURTADO BARROS Y O. CRISTINA PEREZ 53
presenta esse projeto à direita, vem das Forças Armadas e sempre que pode
ressalta sua importância.
O dado que mais distancia as juventudes é aquele referente à conança na
presidência do país. Os jovens à direita possuem um alto nível de conança
(23%) na gura do atual presidente do país (que deve estar atrelado ao apoio
ao Bolsonarismo), enquanto os jovens à esquerda apresentam o maior índice
de desconança ao mesmo (44%). De fato, no Brasil a distinção entre esquer
-
da e direita tem sido central no projeto do atual presidente, como mostra o
estudo de Goldstein (2019), e nesse sentido o apoio ao Bolsonaro distingue
jovens de direita e de esquerda.
Outro fator que é realçado pelo Gráco 4 é a força da religião sobre as juven
-
tudes: não apenas um alto nível de conança entre os jovens de todos os
campos ideológicos, como a conança na Igreja supera em muito as demais
instituições e personalidades mencionadas.
Por m apresentamos no Gráco 5 como o interesse por política se manifesta
entre as diferentes categorias juvenis segundo seu posicionamento ideológico.
Gráco 5. Interesse por política dos jovens
Fonte: Elaboração das autoras com base no Latinobarômetro 2020.
Os dados apresentados no Gráco 5 explicitam o interesse por política dos
jovens dos diferentes campos ideológicos. Em geral a política não é vista
pelas diversas juventudes com interesse. Aqui é importante reforçar que os
54 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
jovens têm rechaçado as instituições políticas democráticas, como os parti-
dos políticos e o Congresso, que são associados normalmente à palavra po-
lítica, mas isso não signica imobilismo, dada a quantidade de organizações
de juventude criadas recentemente com o nome de coletivos (Perez & Souza,
2020).
O que mais surpreende nos dados é o maior interesse por política entre jo
-
vens de direita, contrariando a literatura que associa a juventude à esquer-
da uma certa politização (Sherer-Warren, 2014; Melucci,1997). Quando
agregamos “pouco interesse” com “muito interesse” chegamos à conclusão
de que os jovens de direita se mostram mais ligados as dinâmicas da política
institucional que os jovens de esquerda, enquanto os primeiros somam 45%,
os segundos somam apenas 20%. Esse dado é reforçado ainda pela variável
“nada interessado”, na qual os jovens de direita pontuam apenas 16% ante
38% dos jovens de esquerda e 32% dos jovens ao centro. Novamente esses
dados devem ser lidos contextualmente dado que o atual presidente do Brasil
é de direita, o que pode despertar mais interesse dos jovens de direita pela
política institucional, ainda mais considerando que eles têm mais espaço nela
agora.
Considerações nais
A presente pesquisa objetivou analisar as nuances que permeiam as juventu
-
des em relação ao seu posicionamento ideológico. Para isso adotamos meto-
dologia quantitativa a partir da análise do Latinobarômetro em sua onda de
2020. Para entender os jovens de direita e de esquerda foram consideradas as
variáveis de autoidenticação ideológica, bem como um breve perl socioe-
conômico. E para vericar o quanto as juventudes se assemelham ou não,
consideramos o interesse por política, conança nas instituições e avaliação
da democracia.
A análise do perl das diferentes juventudes demarcadas pela ideologia evi
-
denciou como a distribuição dos jovens entre direita e esquerda é aproxi-
mada, destacando-se, no entanto, um alto percentual de jovens que que se
posicionaram ao centro. Sobre os jovens de centro foi constatado ao longo
do estudo que estes variam de um polo ideológico a outro dependendo da
variável em análise, ora se aproximando da esquerda ora da direita. Quanto
às dinâmicas socioeconômicas foram percebidas que a maioria dos jovens se
encontra entre as classes média e baixa, bem como identicam-se majorita-
riamente como pessoas brancas.
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Outro dado relevante na pesquisa se dá na proeminência dos jovens à direita
no interesse por política. Tal fato evidencia uma percepção do crescimento de
movimentos conservadores liderados por jovens nas duas últimas décadas,
os quais passaram não apenas a ocupar a arena das ruas e dos movimentos
sociais, mas também se inseriram na política institucional.
Para entender esse avanço consideramos importante retomar algumas expli
-
cações de Karl Mannheim (1986) que tratam da concepção de conservado-
rismo enquanto estilo de pensamento, realizando uma importante distinção
entre tradicionalismo, ou seja, o apego às estruturas de comportamento cris
-
talizadas na sociedade e o conservadorismo em si, compreendido como um
contra movimento diante da delimitação de um inimigo que ameace o statu
quo.
A perspectiva de Mannheim (1986) também contribui para uma leitura des
-
ses dados ao demonstrar como o conservadorismo se forma como contra-
posição aos movimentos progressistas. Nesse sentido, o maior interesse da
juventude à direita pode ser compreendido como uma reação à percepção
de uma juventude essencialmente progressista que teria se desenvolvido ao
longo dos anos em que a esquerda esteve à frente do executivo nacional.
Mais especicamente, as grandes lutas dos jovens progressistas expressas
em grandes ciclos de protestos como as Jornadas de Junho de 2013 –em que
milhares saíram às ruas no Brasil a favor de direitos e contra o sistema polí
-
tico (Perez, 2021)– podem ser consideradas como um processo de estímulo
ao surgimento de contra movimentos na esfera conservadora, como é o caso
de movimentos de jovens à direita.
Movimentos como o Escola Sem Partido também podem ser elencados como
fortalecedores do conservadorismo juvenil no Brasil ao propagar a necessi
-
dade de combater uma suposta doutrinação “esquerdista” nas escolas com
consequente fortalecimento do posicionamento progressista dos jovens (Se-
vero & Gonçalves, 2020).
No entanto, longe de encerrar as possibilidades de estudo, esta pesquisa
deixa em aberto uma ampla agenda de pesquisas das quais destacamos: a
necessidade de compreender quem é o jovem de centro; qual a concepção
de democracia que os jovens à direita e à esquerda possuem, bem como os
repertórios de ação que as juventudes dos diferentes espectros ideológicos
priorizam.
56 STUDIA POLITICÆ Nº 57 invierno 2022
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médio de três municípios do Rio Grande do Sul, com 2.169 respondentes. O desfecho
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