Axel Honneth e a teoria política
internacional
Paulo Vitorino Fontes
*
Resumo
O trabalho de Axel Honneth e a sua conhecida Teoria do Reconhecimento
têm-se armado nos últimos anos. Honneth ao estender a sua teoria às re-
lações internacionais opõe-se à conceção utilitarista dominante de que os
governos nacionais orientam a sua ação essencialmente em relação a ns
e mostra que os atores estatais orientam o seu agir a partir de um substrato
moral, procurando o respeito e o reconhecimento da comunidade por eles
representada. Deste modo, no presente artigo, serão destacadas as razões a
favor de uma maior consideração da dimensão do reconhecimento na expli-
cação das relações internacionais e exploradas as implicações normativas
que surgem a partir de tal mudança de paradigma para a compreensão e o
tratamento das relações internacionais.
Palavras-chave: Reconhecimento – Teoria Política – Relações Internacio-
nais – Honneth.
*
Doutor em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais pela Universidade de Évora
em 2016, é Investigador integrado do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos
Açores. Correo electrónico de contatco: pfontes@uevora.pt.
Código de referato: SP.286.LV/21
http://dx.doi.org/10.22529/sp.2021.55.03
STUDIA POLITICÆ Número 55 primavera/verano 2021/2022 pág. 67–84
Recibido: 15/01/2020 | Aceptado: 25/08/2020
Publicada por la Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales
de la Universidad Católica de Córdoba, Córdoba, República Argentina.
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Abstract
Axel Honneth’s work and his well-known theory of recognition have been
asserting themselves over the last few years. By extending his theory to in-
ternational relations, Honneth opposes the dominant utilitarian conception
that national governments guide their actions essentially towards ends and
objectives and shows that the state’s actors guide their actions towards a
moral substrate, seeking the respect and recognition of the community that
they represent. Therefore, in the following article, the reasons in favor of a
larger consideration of the dimension of recognition in the explanation of
international relations will be highlighted, and the normative implications
that come from such paradigm change for the comprehension and treatment
of International Relations will be explored.
Keywords: Recognition Political Theory International Relations
Honneth
Introdução
A
disciplina acadêmica das Relações Internacionais (RI) tem-se con-
centrado tradicionalmente em descrever e explicar as relações entre
estados, principalmente desde a Segunda Guerra Mundial o para-
digma teórico dominante tem sido o realismo político. Como sublinha Jack
Donnelly (2000), o realismo político enfatiza o desejo de poder e a natureza
anárquica do sistema internacional como principais fatores explicativos nas
relações entre os estados. O autor argumenta que ao invés de uma teoria geral
das RI, o realismo será melhor compreendido como uma orientação losóca
ou um programa de pesquisa que enfatiza –de uma maneira perspicaz, mas
unilateral– as restrições impostas pelo egoísmo individual e nacional e pela
anarquia internacional. No entanto, a partir da década de 1950 o realismo
tem sido cada vez mais criticado por estudiosos e estudiosas que defendem
teorias alternativas das RI, como o neoliberalismo ou o construtivismo.
Tanto na losoa moral em geral como na losoa e na teoria política em
particular temos assistido, como mostra Tanja Hitzel-Cassagnes e Rainer
Schmalz-Bruns (2009), a desaos paradigmáticos acerca dos fundamentos
conceptuais do construtivismo moral e do liberalismo político. Apesar de
provenientes de diferentes recursos como da ética da autenticidade e da dife
-
rença, ou de inspirações derivadas de um interesse crítico nas patologias das
formas de vida modernas, as aproximações baseadas na teoria do reconheci-
mento partilham a mesma convicção fundamental hegeliana que a moralida-
PAULO VITORINO FONTES 69
de e a justiça não devem ser consideradas como ancoradas na razão prática,
mas numa rede de considerações e orientações normativas que conguram
uma forma de vida ética. Neste sentido, o reconhecimento apresenta-se como
uma alternativa à justiça política, que adquire prioridade em relação à justiça,
e em termos políticos promete estabelecer um novo tipo de equilíbrio entre
autorrespeito, autorrealização e autodeterminação.
Consequentemente, o liberalismo político é desaado nas suas limitações
em lidar com as muitas faces da injustiça e as múltiplas formas de opressão,
exploração e alienação; como tal, parece muito restrito para fazer justiça a
todos os envolvidos, seja dentro das ordens constitucionais existentes da res
publica ou como uma ideia hipotética de realizar a societas generis humani
de inspiração Kantiana.
Neste contexto tem surgido um novo paradigma concorrente do realismo, ou
pelo menos complementar, que se denomina por teoria do reconhecimento
internacional. Aqui iremos desenvolver esse paradigma, no âmbito de teoria
crítica das relações internacionais, recorrendo a vários autores e autoras, com
enfoque na aplicação da teoria do reconhecimento de Axel Honneth à teoria
política internacional.
Este trabalho desenvolve-se em quatro secções: na primeira (1ª) iremos apre
-
sentar de forma sucinta a teoria do reconhecimento de Honneth; na segunda
(2ª) parte iremos expor as dimensões do reconhecimento nas RI; na terceira
(3ª) secção do artigo serão exploradas as consequências normativas da apli-
cação da teoria do reconhecimento às RI e, por m (4ª), apresentaremos ou-
tras abordagens do reconhecimento nos estudos internacionais, de diferentes
autores que inuenciam e completam a abordagem de Honneth, ao mesmo
tempo que contribuem para o desenvolvimento do paradigma crítico na teo-
ria política internacional.
1. Sobre a teoria do reconhecimento de Axel Honneth
Ao partirmos da teoria do reconhecimento de Honneth ([1992] 2011), princi
-
palmente a partir do seu núcleo, percebemos que esta expressa um esforço de
conceptualização das três esferas do reconhecimento: Amor, Direito e Estima
Social, inicialmente identicadas por Hegel ([1807] 1992). Estas esferas de
interação, através da aquisição cumulativa de autoconança, autorrespeito e
autoestima, criam não as condições sociais para que os indivíduos possam
chegar a uma atitude positiva para com eles mesmos, como também origi-
nam o indivíduo autónomo.
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A esfera do amor constitui as relações afetivas primárias de reconhecimento
mútuo que estruturam o indivíduo desde o nascimento, e que se encontram
dependentes de um balanço frágil entre autonomia e vinculação. Segundo
Honneth ([1992] 2011, pp. 131-136), o vínculo alimentado simbioticamen
-
te, que se forma por uma delimitação reciprocamente desejada inicialmente
entre a mãe e lho, cria a dimensão de autoconança individual, que será a
base fundamental para a participação autónoma na vida pública. A partir da
perspetiva normativa do outro generalizado que nos ensina a reconhecer os
outros enquanto titulares de direitos é nos permitido compreender a nós pró-
prios enquanto pessoas jurídicas.
A esfera do Direito desenvolve-se num processo histórico, o seu potencial
de desenvolvimento verica-se na generalização e na materialização das re
-
lações de reconhecimento jurídico. com a constituição de direitos fun-
damentais universais é que a forma de autorrespeito pode assumir o caráter
que hoje assume, onde a imputabilidade moral assume a base do respeito de
uma pessoa. Com o estabelecimento da relação jurídica moderna as relações
familiares foram alteradas, desaadas pelo princípio da igualdade sofreram
profundas tensões. Na esfera do direito desenvolve-se o reconhecimento da
autonomia individual, possibilitando a capacitação da pessoa para determi-
nadas ações. O desrespeito cognitivo traduz-se na privação de direitos e na
exclusão social (Honneth, [1992] 2011, pp. 155-160).
Para se poder atingir um auto relacionamento ininterrupto, os sujeitos huma
-
nos também necessitam sempre, além da experiência da dedicação afetiva
e do reconhecimento jurídico, de uma valorização social que lhes permi
-
ta relacionarem-se positivamente com as suas propriedades e capacidades
concretas. Estamos na esfera da estima social, de uma terceira relação do
reconhecimento recíproco, a partir do pressuposto da valorização simétri-
ca, os indivíduos consideram-se reciprocamente à luz de valores que tornam
manifestas as capacidades e as propriedades do outro como importantes para
a experiência comum. A relação simétrica não signica uma valorização re-
cíproca em igual medida, mas sim o desao de que qualquer sujeito tem a
oportunidade de se experimentar como valioso para a sociedade através das
suas capacidades e propriedades. Só assim, seguindo o raciocínio de Honne-
th, sob a noção de solidariedade é que as relações sociais poderão aceder a
um horizonte em que a concorrência individual pela valorização social pode-
rá estar isenta de experiências de desrespeito.
Na sucessão das três formas de reconhecimento, o grau da relação positiva
da pessoa consigo mesma aumenta progressivamente. Com cada nível da
PAULO VITORINO FONTES 71
consideração mútua cresce também a autonomia subjetiva do indivíduo. De
igual forma, às correspondentes formas de reconhecimento mútuo, poder
-
-se-á atribuir experiências paralelas de desrespeito social (Honneth, [1992]
2011, pp. 170-176).
Para Honneth a prática de comportamentos desviantes não resulta apenas
numa reprovação social, mas no impedimento ao indivíduo de um reconhe
-
cimento positivo de si mesmo na sua ação. Abre-se assim a possibilidade de
transformação da ética coletiva que permita a realização do Eu. Neste sen-
tido, a luta pelo reconhecimento social das particularidades do sujeito será
o constante motor de transformação do quadro ético de uma sociedade, de
modo a incluir formas de individualidade que numa dada circunstância são
objeto de um reconhecimento decitário.
Honneth ([1992] 2011) realça a luta por reconhecimento na sua teoria, uma
luta que não é guiada por objetivos de autoconservação e de aumento de
poder, mas que se alicerça predominantemente nos sentimentos morais de
injustiça, decorrentes da negação de expectativas normativas de reconheci
-
mento rmemente interiorizadas. O que leva Honneth, como sublinha Rúrion
Melo (2014, p. 23), a afastar-se da conceção de conito predominante no
pensamento político moderno, que tende a ignorar a normatividade de toda
a luta social. Honneth ([1992] 2011, pp. 222-223) apresenta dois modelos de
conito: o modelo utilitarista que tem como objeto de análise a concorrên-
cia por bens escassos, que parte dos interesses coletivos, em que os grupos
querem aumentar o seu poder de dispor de determinadas possibilidades de
reprodução; e o modelo da teoria do reconhecimento que tem como objeto de
análise a luta pelas condições intersubjetivas da integridade pessoal, segun-
do uma lógica da formação da reação moral. Ao começar pelos sentimentos
coletivos de injustiça, atribui as lutas sociais às experiências morais que os
grupos fazem perante a denegação do reconhecimento jurídico ou social. O
modelo baseado na teoria do reconhecimento vem completar o modelo uti-
litarista.
Para Honneth ([1992] 2011, p. 224) “a investigação das lutas sociais está
ligada por princípio ao pressuposto de uma análise do consenso moral que,
dentro de um nexo de cooperação social, regula inociosamente o modo
como são distribuídos os direitos e deveres entre dominadores e dominados”.
Honneth diferencia-se de todos os modelos explicativos utilitaristas, o autor
propõe um conceito de luta social segundo a conceção de que os motivos da
reação social e da revolta se formam no quadro de experiências morais, que
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resultam da infração de expectativas de reconhecimento profundamente en-
raizadas. Expetativas estas que estão ligadas na psique às condições da cons-
tituição da identidade pessoal, de maneira que elas retêm os padrões sociais
de reconhecimento sob os quais um sujeito pode saber-se respeitado em seu
retorno sociocultural como um ser ao mesmo tempo autónomo e individu-
alizado; se essas expectativas normativas são dececionadas pela sociedade,
isso desencadeia precisamente o tipo de experiência moral que se expressa
no sentimento de desrespeito. Sentimento que através da capacidade de arti-
culação num quadro de interpretação intersubjetiva, que o comprova como
típico de um grupo inteiro é que pode desencadear um movimento social, de
-
pendendo de uma semântica coletiva (Honneth, [1992] 2011, pp. 257-258).
Tanto ao nível individual como ao nível coletivo, como tema e fenômeno
do mundo real, as lutas por reconhecimento são indubitavelmente uma das
principais dinâmicas motivacionais, ao lado da busca da segurança, do ren
-
dimento e do lucro. Aplicar a teoria do reconhecimento às RI é um desao
crítico do nosso tempo, que aqui pretendemos contribuir a partir do pensa
-
mento de Axel Honneth.
2. Dimensões do reconhecimento nas Relações Internacionais
Honneth (2010, p. 135) arma no seu artigo: “Reconhecimento entre Esta
-
dos, sobre a base moral das relações internacionais” que Hegel ([1820] 1997)
na sua Filosoa do Direito, nega a possibilidade da “luta por reconhecimen-
to” entre Estados, pois estes perseguem os seus objetivos de segurança e
bem-estar determinados nacionalmente. Essa é a posição que a teoria ocial
das RI adota, ou seja, os governos procuram a autoarmação do Estado na-
cional e, citando Honneth (2010, p. 135) “são bastante insensíveis a questões
relativas ao respeito entre Estados e às relações de reconhecimento”.
Diante desta constatação, Honneth (2010, p. 136) questiona: “O modelo con
-
ceitual ocial do ator racional orientado a ns poderá efetivamente expli-
car todas as tensões políticas, conitos e guerras em que hoje os diversos
Estados do mundo estão envolvidos entre si em diversos lugares?” O autor
levanta a hipótese de que, se levarmos em conta as situações cotidianas, seria
necessário considerar também os “motivos primários da busca por reconhe-
cimento e da conquista de respeito para explicar a conduta conitiva e a polí-
tica externa de atores estatais” (Honneth, 2010, p. 136). Aqui, encontram-se
dois modelos de política externa: A autoarmação do Estado individual e o
reconhecimento entre os Estados.
PAULO VITORINO FONTES 73
Honneth desenvolve dois objetivos: em primeiro lugar, trata das dimensões
do reconhecimento nas RI, usando recursos categoriais adequados para des
-
crever conitos e tensões entre Estados individuais; seguidamente, indica as
consequências normativas da mudança de paradigma no tratamento das RI.
A diculdade central para Honneth (2010, p. 137) que surge quando se aplica
a categoria do reconhecimento ao campo das RI revela-se à partida na procu
-
ra de um vocabulário teórico adequado; ao tentamos enumerar as dimensões
do respeito no agir estatal, parecem estar disponíveis apenas termos que,
devido à sua procedência das relações intersubjetivas, possuem um carácter
psicológico muito forte. Honneth ao transferir os conceitos da teoria do re-
conhecimento do plano das relações interpessoais para o plano do comporta-
mento de grupos ou movimentos sociais, não é confrontado com este tipo de
problemas de natureza terminológica. Quando, porém, passa do plano dessas
lutas de grupos para o plano das relações entre estados, essa transferência
torna-se tanto mais difícil quanto mais abrangentes forem os problemas con
-
ceituais.
Para além das diferenças nas formas do estado e nos sistemas teóricos de
descrição, permanece válido que mesmo nas suas funções de política externa
os órgãos estatais não podem simplesmente ser concebidos como instâncias
complacentes de articulação de uma identidade coletiva; ao contrário, eles
estão sujeitos a constrangimentos e imperativos que resultam da tarefa de
assegurar externamente os limites territoriais, o bem-estar econômico e a se
-
gurança política do próprio país. Nesse sentido, não é possível simplesmente
proceder a uma transferência das categorias do reconhecimento segundo o
princípio de que em todo lugar em que existir uma identidade coletiva tam
-
bém deve haver o comportamento correspondente de uma luta por reconheci-
mento; entre a suposta necessidade de uma população de ser respeitada desde
fora na sua própria “identidade”, de algum modo abalada, e o comportamen-
to dos atores estatais sempre se interpõem primeiro os teimosos imperativos
funcionais da condução política e da manutenção do poder.
No entanto, Honneth apoiando-se em Kelsen (1941), refere já existir no nível
da linguagem teórica um conceito do “reconhecimento” que é utilizado com
naturalidade no âmbito das RI. Pelos estatutos do direito internacional, um
ente coletivo organizado politicamente recebe o direito a uma existência
legal se outros estados, por sua vez já reconhecidos nos termos do direito in
-
ternacional, o “reconhecem” legalmente como um “estado”. Evidentemente
que Kelsen também realça que estes atos estatais do reconhecimento só têm
o signicado de uma constatação de situações empíricas e não o caráter de
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alguma manifestação de respeito. Não se trata, portanto, da manifestação de
uma intenção normativa, mas tão somente da simples tomada de conheci-
mento de um fato: “o ato legal do reconhecimento é o estabelecimento de
um fato; não é a expressão de uma vontade. Ele é conhecimento antes que
re-conhecimento” (ibid: 608). Para poder efetivamente falar do “reconheci-
mento” estatal de um outro estado segundo Kelsen, portanto, deveria haver
uma certa margem para decisão. Para realçar a diferença, Kelsen denomina
os comportamentos estatais desse tipo como sendo atos “políticos” do re-
conhecimento, quer seja no estabelecimento de relações diplomáticas e de
acordos comerciais, ou quando falamos de relações de reconhecimento entre
estados, de respeito violado e humilhações
1
.
Por sua vez, Erik Ringmar (2010) na sua obra: “The international politics of
recognition” demonstra que o reconhecimento tem sido uma preocupação
para o Direito Internacional desde Kelsen (1941), passando por Hersch Lau
-
terpacht (1944 e 1947), entre outros, até a uma perspetiva mais crítica desen-
volvida por Antony Anghie (1999). Desde que o estado é visto como o sujei-
to da lei internacional, juristas necessitam decidir quais entidades pertencem
a esta classe, estabelecendo critérios através dos quais as mesmas possam ser
admitidas, outras excluídas e como serão reguladas as relações entre mem-
bros e não membros. Fundamentalmente, o reconhecimento desempenha um
papel ao estabelecer as condições que tornam possível a lei internacional.
Um primeiro passo a ser dado por Honneth (2010, p. 140) para circuns
-
crever melhor o plano do reconhecimento nas RI consiste no destaque da
base de legitimação à qual necessariamente está vinculado todo o compor-
tamento dos atores estatais. Esses atores não podem cumprir a função a
eles atribuída, de autoarmação do estado através da política externa, sem
levar permanentemente em consideração se o modo de cumprimento dessa
função está em consonância com as prováveis expectativas da população;
e da população de um ente estatal se supõe que, para além da diferenciação
cultural, étnica ou religiosa interna, ela tenha vivo interesse em ver seu pró-
prio país sendo adequadamente respeitado e valorizado por parte dos outros
estados: aquilo que perfaz o autorrespeito de uma coletividade organizada
como estado, as provas de armação do passado, a força de resistência con-
tra tendências autoritárias, as realizações da própria cultura, tudo isso deve
ser “reconhecido” pelos representantes políticos dos outros povos (Rawls,
2002, pp. 38s).
1
Para um aprofundamento desta perspetiva nas RI ver Wolf (2011) e Haacke (2005).
PAULO VITORINO FONTES 75
As medidas e ações dos atores políticos têm, para além de seu conteúdo
explicitamente formulado, uma série de outros signicados importantes que
são transmitidos através da forma da sua encenação simbólica: a utilização
de determinadas metáforas, publicamente fáceis de serem decifradas, o uso
de rituais, e até mesmo o amplo leque de meios simbólicos com auxílio dos
quais os atores estatais podem transmitir de modo proposital mensagens que
ultrapassam o conteúdo “ocial” dos seus comunicados.
Um exemplo apresentado por Honneth (2010, p. 142) para este tipo de ma
-
nifestação explícita de respeito foi o notável discurso que o presidente nor-
te-americano Obama (2009) fez na Universidade do Cairo diante de um
grande número de representantes políticos e espirituais do mundo islâmico:
desde a saudação feita em árabe até às repetidas menções às realizações
do Islão, nesse discurso tudo estava orientado a neutralizar a impressão do
desprezo surgido em muitos países árabes durante os anos da administração
Bush.
No entanto, continua a ser problemático para Honneth (2010, pp. 142-143)
distinguir no comportamento da política externa de um estado a dimensão es
-
tratégica da autoarmação da dimensão do reconhecimento. Atores políticos
nas transações com outros estados não perseguem os interesses racionais
voltados à garantia do poder e à maximização do bem-estar, para depois,
numa espécie de apêndice prestar ou retratar reconhecimento político; ao
contrário, eles denem sempre os interesses dentro do horizonte das expec-
tativas normativas, que eles presumem na própria população como sendo
desejos difusos de reconhecimento da identidade coletiva própria ou alheia.
Portanto, é falso o pressuposto teórico de uma camada primária, distinta, de
intenções ou cálculos puramente estratégicos; os atores estatais não conse
-
guirão formular esses interesses independentemente das considerações sobre
quais necessidades de reconhecimento eles pressupõem na frágil coletividade
da própria população e quais os desejos de reparação moral eles pressupõem
na coletividade igualmente porosa da população alheia. Pelo fato de que os
representantes políticos, por causa da procura de legitimidade, precisam agir
sempre como intérpretes das experiências e desejos da sua população, todos
os encontros e relações entre estados ocorrem sob a pressão moral de um
conito por reconhecimento: questões desse tipo a necessidade de uma
autoimagem na esfera pública mundial, o afastamento de uma vergonha ou
humilhação, o desejo de reparar uma injustiça estatal, entre outras determi-
nam a perseguição dos interesses na política externa de tal modo, que deles
não devem ser analiticamente separados.
76 STUDIA POLITICÆ Nº 55 primavera/verano 2021/2022
Para Honneth (2010, pp. 143-144) em nenhum estado os atores políticos po-
dem simplesmente ignorar as demandas da identidade coletiva da sua popu-
lação, porque eles colocariam em risco os necessários vínculos de lealdade;
por isso, na interpretação e na realização das funções a eles atribuídas eles
necessitam sempre levar em consideração quais as expectativas que os mem-
bros de seu ente coletivo cultivam em relação ao comportamento de outros
estados.
Assim, a determinação dos objetivos da política externa não pode ser separa
-
da das reivindicações da identidade coletiva pressupostas em cada caso; nem
da forma como os estados reagem em relação aos outros e de quais os tipos
de relações que mantêm entre si. Isso é matéria de uma fusão de interesses e
valores realizada a partir da descoberta de objetivos da política externa ali-
cerçados na perspectiva do hipotético “nós” de uma população à procura de
reconhecimento. A terminologia psicológica, acaba encontrando aqui o seu
lugar quando os atores estatais necessitam dar forma às tendências da opinião
encontradas na população com a ajuda da teoria da luta por reconhecimento
e da humilhação histórica (Honneth, 2010, pp. 144-145). Neste sentido, são
abordadas questões que não dizem respeito ao lado descritivo, mas ao lado
normativo de uma teoria das RI, principalmente se tivermos em conta as
possíveis direções que a mobilização política das perceções coletivas pode
ter, a sua instrumentalização pode ser tanto no sentido da conciliação, como
de uma política agressiva de conquista ou exploração.
3. Consequências normativas da aplicação da teoria do reconhecimento
no tratamento das Relações Internacionais
O “nós” da população, segundo Benedict Anderson (2008), que é sempre
necessário considerar na determinação dos objetivos da política externa, não
é um resultado empírica, mas hipotético; ele surge quando das expectativas
e perceções desordenadas, apenas supostas, é constituída uma narrativa co
-
letiva que possibilita uma determinada relação entre estados ser de alguma
forma justicada à luz de humilhações experimentadas ou do reconhecimen-
to pretendido.
À medida que nos afastamos dos problemas descritivos de uma teoria das
RI e nos dedicamos aos seus problemas normativos, na senda de Honneth
(2010, p. 146) assumimos outra perspetiva em relação às relações conitivas
existentes no mundo que não a tentativa de sua explicação empírica; não
PAULO VITORINO FONTES 77
perguntamos mais como podemos descrever adequadamente esses conitos
dos estados, mas quais as condições que deveríamos criar e quais medidas a
implementar para torná-los menos prováveis, de modo que no conjunto uma
situação mais propensa à paz possa ser esperada nas RI.
A ideia normativa básica apresentada por Honneth (2010, p. 147) resulta da
estreita vinculação existente em cada caso entre a matéria-prima das perce
-
ções coletivas e as narrativas justicadoras estatais.
Em ambos os casos, a sensibilidade coletiva de uma população que acom
-
panha com interesse e suspeita os sinais da conduta de reconhecimento de
outros estados revela-se como o gradiente decisivo no desempenho das nar-
rativas justicadoras da política externa: quanto maior se tornar a distância
que se abre entre as tendências difusas no povo do estado e as justicativas
públicas do comportamento político, tanto mais cedo os atores estatais en
-
contrarão diculdade para sustentar sua própria interpretação dos objetivos
de política externa do país por eles representado. Nesse sentido, percebemos
que os estados podem inuenciar de modo indireto nas decisões relativas ao
comportamento em política externa de outros entes estatais; pois através dos
meios simbólicos das suas manifestações externas sobre respeito e reconhe-
cimento eles dispõem de um instrumento com o qual podem inuenciar a
formação da opinião pública noutro país (Honneth, 2010, p. 148).
Assim, todo comportamento de um estado em política externa resulta de uma
união especíca de interesses e valores; nela as exigências funcionais da ma
-
ximização de segurança e bem-estar devem tornar-se coincidentes com aque-
las expectativas públicas que a respetiva população sustenta frente aos outros
estados em relação ao reconhecimento da sua identidade coletiva. Para este
m, atores estatais ou governos necessitam fundamentar-se em narrativas
justicadoras que têm por desígnio sustentar, à luz da sua história, porque os
interesses do próprio país devem ser perseguidos de uma determinada manei-
ra, seja ela cooperativa ou agressiva (Honneth, 2010, p. 148).
Ainda que a história política das RI esteja repleta deste tipo de iniciativas,
elas continuam a ter um papel menor na teoria; pelo fato de que o agir es
-
tatal é interpretado sobretudo segundo o modelo da perseguição racional de
interesses. Falta um enquadramento conceitual que possa dar à dinâmica das
relações de reconhecimento entre estados um lugar adequado.
Honneth (2010, p. 149) propõe um marco teórico capaz de ampliar as hipóte
-
ses de civilização nas RI. Antes que as convenções jurídicas possam desem-
78 STUDIA POLITICÆ Nº 55 primavera/verano 2021/2022
penhar sua obra pacicadora, antes ainda que o cultivo de relações diplomá-
ticas e acordos comerciais possam realizar a desconstrução de tensões, são
sempre necessários, em primeiro lugar, sinais publicamente visíveis de que a
história e a cultura do povo do estado em questão merecem ser percebidos na
panóplia dos povos. Somente através de semelhante reconhecimento, trans
-
mitido pelos representantes governamentais e atores políticos, é possível as-
segurar que as cidadãs e os cidadãos do outro estado não darão mais crédito
às imagens ociais de inimigo criadas pelas suas elites e assim, podem ad-
quirir a conança de serem levados a sério pelos seus contrapartes. A história
das relações RI contém exemplos sucientes que mostram que um atropelo
desse princípio básico só faz aumentar o perigo dos conitos entre estados e
que o seu respeito diminuiu o potencial destas cisões. Como refere Honneth
(2010, p. 149) ao mencionar Schneider (2006), o ato de Willi Brandt, de
ajoelhar-se em Varsóvia, foi um gesto internacionalmente percetível que du-
rante anos tornou quase impossível ao governo polonês evocar preconceitos
e ressentimentos contra a República Federal da Alemanha antes existentes na
própria população. Por outro lado, a participação insuciente dos estados in-
ternacionalmente líderes na situação existencial humilhante da população na
Palestina, como refere Eyad Sarraj (2002) e a falta de qualquer manifestação
cabível de solidariedade, tem como efeito até hoje o fato de que as fantasias
cultivadas pelas lideranças locais sobre uma campanha de vingança dirigida
contra Israel encontrem sempre de novo disposição coletiva de seguidores
também nas camadas mais baixas e empobrecidas do país.
A lista destes exemplos poderia ser ampliada sem grande diculdade com
uma multiplicidade de casos; pensemos na constante auência de novos
membros com a qual as organizações terroristas islâmicas podem contar nas
suas respetivas áreas de atuação, para perceber a dimensão das consequên
-
cias de uma política internacional equivocada que deveria ter tornado clara
uma política de reconhecimento.
Sabemos que os sinais de reconhecimento, não apenas em termos do direito
internacional, mas também ao nível político, não são sucientes para criar
uma base rme para uma relação transnacional de cooperação. A superação
intencionada de posturas defensivas alimentadas por experiências coletivas
de humilhação, a deslegitimação de imagens hostis surgidas historicamente
e atualmente utilizadas como legitimação da dominação precisam ser segui
-
das por acordos legais, que antes do mais assegurem relações pacícas e de
superação coordenada de desaos comuns.
PAULO VITORINO FONTES 79
4. Honneth e outras abordagens do reconhecimento na teoria política
internacionnal
Para além da teoria de Honneth, como tema, as lutas por reconhecimento têm
inspirado vários autores, como Edward Carr ([1939] 1981), Alexander Wen
-
dt (2003), Jürgen Haacke (2005) e Erik Ringmar (2010) que desenvolveram
a teoria política internacional do reconhecimento, e até mesmo o realismo de
uma forma mais vasta, entendido como uma pesquisa programa, é cada vez
mais inclinado a fazer referência ao reconhecimento.
Carr ([1939] 1981) na sua obra Vinte Anos de Crise: 1919-1939 apresenta
-
-nos um esforço de interpretação de uma realidade conturbada e perturbadora
do mundo no período entre guerras, expondo argumentos críticos às perce
-
ções correntes manifestas em atitudes e ações políticas que, sucessivamente,
se revelavam inadequadas por não reconhecerem as dimensões mais inquie-
tantes da realidade econômica, política e social. Ao longo desta sua obra, que
se tornou uma referência no estudo das RI, é feita uma crítica ao realismo
político, aos seus limites, procurando contrabalançar a utopia com a reali-
dade, a teoria com a práxis. E, ao preocupar-se com a moral na nova ordem
internacional, Carr [1939] 1981, p. 301) arma que “se é, contudo, utópico
ignorar o elemento poder, é uma forma irreal de realismo o que ignora o
elemento moral em qualquer ordem mundial”. Pois, e prossegue o autor, “as-
sim como dentro do estado todo governo, embora necessite do poder como
base de sua autoridade, também precisa da base moral do consentimento dos
governados”. Carr atribui grande importância aos aspectos normativos da
política internacional ao longo da sua obra), referindo que “o lugar da moral
na política internacional é o problema mais obscuro e difícil de todo o campo
dos estudos internacionais” (Carr, [1939] 1981, p. 189).
Décadas mais tarde, Wendt (2003, p. 510) apresenta uma argumentação es
-
trutural, tal como os neorrealistas, mas não deixa de assumir que para gerar
qualquer movimento na teoria estrutural, temos que assumir que os autores
procuram algo, de modo que ao nível micro deve existir um elemento de bus-
ca de objetivos, por conseguinte, teleológico. Enquanto os neorrealistas assu-
mem que as pessoas procuram acima de tudo a segurança física (Waltz, 1979,
p. 126), o que signica na perspectiva de Wendt que a lógica da anarquia é a
luta por segurança. Wendt acredita que as pessoas procuram segurança, mas
também procuram reconhecimento, o que signica que a lógica da anarquia é
também uma luta por reconhecimento. Uma vez que os neorrealistas esperam
uma anarquia contínua em vez de um estado mundial, essas duas lutas podem
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apontar em diferentes direções. Wendt (2003, p. 511) apresenta a possibilida-
de desaante da luta pelo reconhecimento poder realmente explicar grande
parte do comportamento da realpolitik, incluindo a guerra.
Por sua vez, Haacke (2005, pp. 192-194) ao aprofundar o estudo da obra de
Honneth, apresenta algumas razões para que a teoria do reconhecimento seja
considerada de uma forma mais sistemática na teoria política. A sua teoria
oferece um esquema útil em relação à estrutura das relações de reconheci
-
mento, incluindo modos de reconhecimento, formas de reconhecimento e
formas de desconança. De particular importância a este respeito são os mo
-
dos de respeito cognitivo e de estima social, que, se aplicados às IR, podem
encontrar expressão, respectivamente, no status de membro e no reconheci
-
mento das contribuições para o funcionamento da sociedade internacional.
Uma outra razão diz respeito ao possível uso do contributo de Honneth como
base de uma agenda de pesquisa mais sistemática na Análise de Política
Externa. O que as lutas para o reconhecimento assumem será sempre uma
questão empírica e não teórica. A pesquisa relevante enfocará a medida em
que líderes individuais ou coletivos estão preocupados com a procura de re
-
conhecimento ao formular e implementar a política externa. Neste contexto,
pode ser útil, por exemplo, distinguir as formas em que o reconhecimento
é procurado para determinados tipos de identidade. Igualmente, é possível
produzir taxonomias do sucesso e do fracasso de diferentes lutas pelo reco-
nhecimento na sociedade internacional. Um outro motivo para a tomada de
opinião mais fundamentada sobre o reconhecimento derivado do trabalho
de Honneth é que este oferece um padrão de crítica. Honneth, concentra-se
na recuperação de experiências de violência e de sofrimento para identicar
as reivindicações da identidade adquirida através de processos de socializa-
ção. Honneth insiste na centralidade da experiência moral do sentimento de
desrespeito como motor das lutas políticas, elevando-o à condição de base
motivacional de todo e qualquer conito.
A história da sociedade internacional pode ser vista como a história de uma
luta por reconhecimento, como arma Ringmar (2010, p. 11), todos precisam
acima de tudo de uma identidade, todos querem ser reconhecidos pelas nar
-
rativas que produzem acerca de si próprios. As identidades são importantes
tanto para os indivíduos como para as entidades coletivas, sem identidade
não sabemos quem somos. As identidades são construídas através de rela-
ções de reconhecimento. Na senda do argumento famoso de Hegel, aquilho
que os seres humanos mais procuram é o reconhecimento dos seus pares,
daqueles que eles também reconhecem. A luta por reconhecimento é vista
PAULO VITORINO FONTES 81
como a motivação principal da ação humana (Honneth, [1992] 2011).
Como vários autores demonstraram (Ringmar & Lindemann, et all, 2010), a
lógica da construção identitária é relevante para as entidades que povoam a
política mundial, mais notadamente para os estados. Estes apresentam auto
descrições e lutam para que sejam reconhecidas. Aliás, a luta por reconheci
-
mento ocupa muito tempo e recursos dos estados, faz os estados agirem e in-
teragirem de maneiras especícas. Esta lógica de ação e interação, consubs-
tanciada em relações humanas de natureza intersubjetiva, nem sempre foi
tida em conta pelos estudiosos da teoria política internacional. Para Ringmar
(2010, p. 1) a razão pela qual gerações anteriores de estudiosos ignoraram
amplamente as questões das identidades é simplesmente porque elas não se
colocavam, ou seja, o estado era um objeto de estudo indiscutível da política
mundial. A partir da última década do século XX e em pleno século XXI, as
crises de identidade e as reconstituições identitárias estão por toda a parte e a
posição do estado é questionada como nunca o tinha sido.
Importa incluir aqui a análise de Charles Taylor (1994) do desenvolvimento
da noção moderna de identidade, uma vez que a política de reconhecimento
igualitário implica duas realidades distintas: uma política de universalismo,
através do princípio de dignidade igual para todos os cidadãos e cidadãs e
uma política de diferença, embora com base universalista. Para Taylor (1994,
pp. 57-58),
todas as pessoas devem ser reconhecidas pelas suas identidades únicas.
Aqui, porém, o reconhecimento tem outro signicado. Em relação à políti-
ca de igual dignidade, aquilo que se estabelece visa a igualdade universal,
um cabaz idêntico de direitos e imunidades; quanto à política de diferença,
exige-se o reconhecimento da identidade única deste ou daquele indivíduo
ou grupo, do carácter singular de cada um.
Para este autor, a luta pelo reconhecimento encontrará um desfecho sa-
tisfatório através de um sistema de reconhecimento entre iguais. Taylor con-
voca Hegel ao encontrar esse sistema numa sociedade com um objetivo co-
mum, onde existe “um nós que são um eu e um eu que é um nós” (Hegel,
[1807] 1992, citado por Taylor, 1994, p. 70).
No entanto, Taylor alerta para os alguns perigos, uma vez que “ao invo
-
car os nossos critérios para julgar todas as civilizações e culturas, a política
de diferença poderá acabar por tornar todas as pessoas iguais. Desta forma,
a exigência de reconhecimento igual é inaceitável” (Taylor, 1994, p. 92).
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Apontando como solução, que algo deve ultrapassar a exigência não autên-
tica e homogeneizante de reconhecimento do valor igual, que ultrapasse o
fechamento nos critérios etnocêntricos. Ao existirem outras culturas e pers
-
petivando-se com maior importância a necessidade de vivermos juntos, tanto
no seio de uma sociedade, como à escala mundial, Taylor (1994, pp. 93-94)
salienta que o que deverá existir é o pressuposto do valor igual, numa posição
que assumimos ao dedicarmo-nos ao estudo do outro. O que o pressuposto
exige de nós não são juízos de valor perentórios e falsos, mas uma disposição
para nos abrirmos ao estudo comparativo das culturas do tipo de nos obrigar
a deslocar os nossos horizontes nas fusões resultantes. Acima de tudo, exige
que admitamos estarmos muito aquém desse último horizonte que poderá
tornar evidente o valor relativo das diferentes culturas.
Considerações nais
O reconhecimento desempenha um papel multifacetado na teoria política
internacional. Em alguma bibliograa o termo é invocado para justicar a
criação de novos estados e estruturas internacionais; também é evocado nas
escolhas políticas por atores estatais e não estatais e na justicabilidade nor
-
mativa, ou na falta dela, da política externa e internacional.
Apesar da extensa literatura, que aqui apenas tentámos enunciar, Honneth
([1992] 2011 e 2010) fornece uma base losóca e teórica distinta em rela
-
ção às lutas pelo reconhecimento, que pode ser importante, dada a inclinação
de muitos estudiosos e estudiosas em tornar o foco no reconhecimento mera-
mente numa adenda útil às abordagens existentes.
Axel Honneth desenvolve uma teoria do reconhecimento intersubjetivo, de
caracter psicológico e de estrutura moral, desde a concepção ao desdobra
-
mento e à maior amplitude das relações sociais, do social e do político. O
conceito de reconhecimento analisado a partir de uma ciência política crítica
abrangente poderá evidenciar os fundamentos normativos pressupostos e os
objetivos de uma luta sempre diferente e constante.
Em suma, uma teoria política que não tenha conceitos para perceber os me
-
canismos de construção identitária e aceder às raízes afetivas e normativas
da formação transnacional de conança não será capaz de visualizar adequa-
damente os pressupostos de uma civilização da política mundial. Por isso
é tempo de analisar as RI, como nos desaa Honneth, para além daquele
prisma que a academia e demais especialistas político-realistas o têm feito.
PAULO VITORINO FONTES 83
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